Sempre me espanta a possibilidade levada a efeito pelo escritor de se colocar na pele, na mente e no espírito de múltiplas personagens tão diversas de si e entre si.
Nesta história, a dramaturga Maria Adelaide Amaral eleva o feito à última potência. São cinco narradores, todos do mesmo círculo de convivência, a contar suas impressões, memórias e sentimentos sobre Luísa, uma mulher cuja presença não passa despercebida. O amigo gay, o chefe, o amante, a amiga e o ex-marido de Luísa sofrem e vivem Luísa simultânea e intensamente, incapazes de lidar com os fatos que relacionam suas vidas com a dela.
Cada narrador tem um capítulo para falar sobre Luísa, aos quais se seguem outros quatro capítulos em forma de cartas, bilhetes e anotações de agenda. É sensacional!
Realidade e imaginação caminham lado a lado, se misturam e se afastam várias vezes nas trajetórias dos cinco protagonistas durante seus envolvimentos com Luísa, ocorridos durante um período real e delirante da história do Brasil: as décadas de 1960 e 1970.
Uma das várias qualidades da obra, possivelmente a que mais me encantou, está destacada na riquíssima apresentação escrita por Caio Fernando Abreu: a história propõe — nunca impõe — uma realidade ou verdade. Não há julgamentos morais sobre os narradores, eles simplesmente são. É incrível como a obra se apresenta como a vida, incerta e dependente dos olhos de quem a vê.
Além da apresentação, o livro traz uma carta destinada aos leitores, escrita pela própria autora, contextualizando os períodos em que se passa a história e em que ela foi escrita.
Por fim, a leitura de Luísa (quase uma história de amor) me lembrou outros dois livros:
Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, um pouco pelo formato, mas também pela multiplicidade de narradores e por estarem contextualizadas durante regimes ditatoriais. Aliás, um dos narradores de Luísa cita um trecho das Novas Cartas Portuguesas: “mais que a paixão, os seus motivos”.
E outro livro que me veio à mente foi O colibri, de Sandro Veronesi, composto por cartas, bilhetes e mensagens eletrônicas e que também contém uma personagem por quem ele sofre muito (surpresa): a Luisa!
Afinal, quem aqui nunca se encantou por uma Luísa/Luiza?
Marcelo Titton
livreiro da Baleia
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